sábado, 15 de fevereiro de 2014

Retratos do material vegetal da cidade de Palermo, Sicília

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Material vegetal da cidade de Palermo, Sicília


A capital da maior ilha mediterrânica, Palermo, guarda em si situações invulgares e inesperadas para uma cidade meridional europeia. Interessantíssima, como imponente, pelos exemplares de espécies subtropicais existentes, bem como pelas tropicais relativamente variadas que podemos encontrar no seu magnífico jardim botânico, a cidade eleva-se ao nível de importante para quem procura estudar ou somente conhecer a paisagem com introdução de espécies exóticas aclimatadas, no continente europeu.

Surpreendeu-me com numerosíssimos jardins públicos, bem mantidos, e maioritariamente históricos, datados do final do século XIX ou das primeiras décadas do século XX, todos trazem o sabor da exuberância dos trópicos, a que nos já habituámos em cidades europeias situadas nestas latitudes. Poderíamos, por outro lado, interpretar estes jardins como retratos daqueles que ainda encontramos em cidades da América do Sul, como Buenos Aires, na Argentina, São Paulo ou Porto Alegre, no Brasil, Montevideu, no Uruguai ou Santiago, no Chile.

O clima, extremamente benévolo e indicado para a experimentação de espécies tropicais, incluindo as mais delicadas, caracteriza-se por dias muito soalheiros com bastante regularidade em pleno Inverno. O vento ocorre com intensidade, do quadrante sudeste permitindo manter a temperatura em valores muito agradáveis, até nos meses mais frios do ano, como Fevereiro. Conhecido por Siroco ou Xaroco, é uma corrente de vento forte e razoavelmente quente, durante o Inverno, e muito quente, durante o Verão, vinda do norte de África. Tornou-se um símbolo da Sicília, ainda que em Palermo, se sinta com particularidade durante vários dias sem interrupção. Este comportamento meteorológico é, sem dúvida, uma das razões pelas quais o clima desta cidade permite a aclimatação de espécies tropicais delicadas.

A latitude de Palermo, a 38º 06' 56'', é sensivelmente mais meridional que Lisboa a 38º 43' 00''. No entanto, é nitidamente mais quente durante os meses de Dezembro a Março, podendo as temperaturas elevar-se até aos 20ºC durante dias corridos em pleno Inverno. Esta particularidade faz desta cidade do sul de Itália, um excelente local para, na eventualidade de surgir interesse pela população, a realização de jardins absolutamente extraordinários e únicos, com a aplicação de exemplos raros de espécies dificilmente cultiváveis em qualquer outra parte da Europa. Falta, contudo, o arrojo aos parlamitani em aventurar-se nesta área.

Lisboa fica à quem desta possibilidade, já que sofre com um Inverno menos clemente e com temperaturas diurnas máximas que raramente atingem os valores de Palermo. Assim se justifica o que pude ler do material vegetal cultivado pelos populares como na colecção do Orto Botanico di Palermo.

A viagem começa pelos indivíduos escolhidos para ajardinar os espaços públicos da cidade. Neste campo a variedade é muito restringida e longe das possibilidades que o clima suave permite. As cidades do mediterrâneo andaluz e da costa valenciana, em Espanha, exploram no máximo das suas possibilidades este aspecto, contando com colecções extraordinárias de espécies tropicais como exemplares ornamentais de espaços públicos. Palermo, revela uma limitação na variedade de espécies que se assume claramente no desinteresse por parte dos responsáveis que lideram os respectivos departamentos camarários da cidade. Londres, com as agruras daquele clima tão reputado e desabrido, não demove, os paisagistas camarários de planear e plantar espécies subtropicais, para regozijo da população, que, desta forma, confirmam, afinal, a relativa docilidade do clima londrino.

Às portas da cidade, Ceiba speciosa são utilizadas como árvores de alinhamento e ornamentais de espaços abertos. Achei muito interessante a descontracção na colocação desta espécie em locais com intensa passagem de pessoas, sujeitas a ferimentos causados pelos espinhos característicos do tronco destas belíssimas árvores. Neste caso, em particular, os indivíduos encontram-se num apeadeiro de uma linha de comboio suburbano.
Outro ponto de interesse nestes exemplares prende-se com o facto de todos eles, frutificarem abundantemente e com frequência, apresentando as belas cabaças ou painas (designação brasileira) ou ainda múcua (designação africana). Em Lisboa, sucede, porém com maior dificuldade por oposição ao que pude ver nesta cidade italiana. 


A desgraça causada pela praga do escaravelho vermelho é tão assustadora em Palermo como a situação verificada no nosso país. O desprezo e negligência no combate a esta terrível calamidade está a descaracterizar a própria cidade retirando à paisagem urbana a silhueta das inúmeras Phoenix canariensis, a maioria centenárias, que rapidamente desaparecem sem que a população lhes conceda a atenção e importância que merecem.


Na estação principal, as espécies ornamentais são exemplares exóticos subtropicais, os quais habitualmente encontramos em Portugal em jardins palacianos. As Dracaena draco e imponentes exemplares de Fortunella sp. (sul da China até ao Japão), recebem o viajante recém chegado a Palermo. Prenúncio de uma cidade com condições climáticas capazes de reunir exemplares cultiváveis no exterior absolutamente únicos. Contudo, e infelizmente, as minhas expectativas saíram goradas.


Expectável, a cidade está ornada com uma das mais emblemáticas espécies subtropicais empregues em toda a região mediterrânica: a Ficus microcarpa (Ceilão ou Sri Lanka, Índia, Formosa, arquipélago Malaio, ilhas Riu Kiu no Japão, Austrália e Nova Caledónia). Esta resistente espécie é muito utilizada como árvore de alinhamento pela sombra que produz para além de permitir uma poda profunda dando-lhe uma configuração artística, conhecida em jardinagem como topiaria. O poder decisório dos responsáveis pela escolha de espécies ornamentais de norte a sul do nosso país, ainda consideram, erroneamente, esta como uma espécie banida dos espaços urbanos excepto se cultivada em zonas amplas. Justificam-se pela agressividade do seu crescimento e sobretudo pelas raízes que, aparentemente somente em Portugal, causam grandes e graves prejuízos às construções próximas, já que em todas as cidades da bacia mediterrânica a Ficus microcarpa (Ceilão, Índia, China meridional, ilhas Riu-kiu, Malásia, Austrália e Nova Caledónia) está presente como árvore de alinhamento e de arruamento. Um mito que persiste e perdurará, ficando o nosso país empobrecido com a ausência de belíssimos exemplares desta espécie, os quais conferem um aspecto meridional, fresco e estival pelo comportamento perene das suas folhas e, naturalmente, exótico.
A espécie tem, no seu habitat natural, uma vasta área onde encontra as condições ecológicas para crescer em altitudes que chegam aos 1800 metros. (in: Wagner, W.L., D.R. Herbst, and S.H. Sohmer. 1999. Manual of the Flowering Plants of Hawai'iNeal, M.C. 1965. In Gardens of Hawai'i.)
Ainda que nestas regiões a altitude seja amenizada pelo clima tropical de montanha, verificam-se inúmeros temperaturas consideravelmente baixas, sobretudo nocturnas, tendo por conseguinte a espécie uma boa tolerância ao frio. É, portanto, indicada para todo território do litoral português, tornando-se uma escolha muito interessante para as regiões norte do nosso país.



Em cima e em baixo, na Via Camillo Benso Cavour, um edifício que pertence à câmara municipal da cidade de Palermo. Uma construção monumental histórica com um jardim envolvente romântico, que em tudo nos lembra aqueles que encontramos, principalmente em Sintra e no Porto, datados da mesma época. A variedade do material vegetal não é muito arrojada e acolhe as espécies comuns da época muito procuradas pelos paisagistas e jardineiros do final do século XIX. O clima benévolo de Palermo não suplantou as correntes estilísticas da paisagem de então e perdeu-se, aqui, a oportunidade de criar um espaço de sabor romântico porém com espécies verdadeiramente raras, até para os dias de hoje. O elenco de espécies não se estende para além de Yucca gigantea (do México ao Panamá), Washingtonia robusta (México), Beaucarnea recurvata (México), Phoenix canariensis, (ilhas Canárias), Cycas revoluta (África do Sul), Araucaria heterophylla (Ilha de Norfolk, Austrália), o que remete este espaço para um jardim de interesse meramente estético. 



Palermo é uma cidade cujos habitantes não provam respeito pelos espaços verdes públicos devidamente gradeados. Contudo, essa atitude pouco cívica contrasta com o esmero que as varandas e terraços privados comprovam. Aproveitando a excelência do clima, a população, não se aventura pelo cultivo de espécies variadas nem raras, mas demonstram orgulho nos seus pequenos espaços ricamente cobertos de espécies vegetais. Este pormenor coloca esta cidade largamente acima de Lisboa, onde, infelizmente,  é chocante a secura dos beirais, janelas, terraços, varandas e portadas.

A colecção das varandas deste edifício é muito interessante pela leitura que se pode fazer a partir das espécies ali cultivadas. São mudas caseiras, como a maioria das suculentas. pouco comuns no mercado, é o caso do espectacular Sedum (África do Sul) de cor verde acinzentado e da Tradescantia pallida purpurea (México)